segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O meu mundo...

"O meu mundo não é como o dos outros,
Quero demais, exijo demais,
Há em mim uma sede de infinito,
Uma angústia constante que nem eu mesma compreendo,
Pois estou longe de ser uma pessimista;
Sou antes uma exaltada,
com uma alma intensa, violenta, atormentada.
Uma alma que não se sente bem onde está,
que tem saudade...
Sei lá de quê!"

FLORBELA ESPANCA

domingo, 7 de setembro de 2008

O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, cansaço.

A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas
-Essas e o que falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço, cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser... E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...

ALVARO DE CAMPOS

Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

(...)

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim…

(...)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

ALVARO DE CAMPOS
HETERÔNIMO DE FERNANDO PESSOA

sábado, 6 de setembro de 2008

"Tenho sensações que dá vontade de guardar na alma.
Sensações que não sei nomear.
Se dissolvem dentro do turbilhão de pensamentos, do cotidiano cheio de acontecimentos.
São solúveis, não por fraqueza.
São dissolvidas por serem sutis.
E mostram, que eu preciso somente: de mim mesmo.
Tenho sensações que dá vontade de guardar na alma. "

"... Costumo guardar essas sensações ... em caixas de pra sempre ..."

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

TEMPO DE TRAVESSIA

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo...
E esquecer os nossos caminhos
que nos levam sempre aos mesmos lugares...
É o tempo da travessia...
E se não ousarmos fazê-la...
Teremos ficado...
para sempre...
À margem de nós mesmos...

Fernando Teixeira de Andrade

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

AS PESSOAS NÃO SÃO SEMPRE IGUAIS

O mais importante e bonito no mundo,
é que as pessoas não são sempre iguais.
Não foram terminadas.
Mas estão sempre mudando...
Afinam ou desafinam,
verdade maior que a vida me ensinou.

Guimarães Rosa

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

SER É ESTAR LIVRE

Não se subornar a nada -
nem a um homem,
nem a um amor,
nem a uma idéia,
ter aquela independência longínqua
que consiste em não crer na verdade,
nem, se a houvesse,
na utilidade do conhecimento dela -
tal é o estado em que, parece-me,
deve decorrer, para consigo mesma,
a vida íntima intelectual dos que não vivem sem pensar.
Pertencer - eis a banalidade.
Credo, ideal, mulher ou profissão -
tudo isso é a cela e as algemas.
SER É ESTAR LIVRE.

Fernando Pessoa
Livro do Desassossego

VIVER É SER OUTRO

Viver é ser outro.
Nem sentir é possível
se hoje se sente como ontem se sentiu:
sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir -
é lembrar hoje o que se sentiu ontem,
ser hoje o cadáver vivo
do que ontem foi a vida perdida.

Fernando Pessoa
Livro do Desassossego

CARNE E OSSO

A alegria do pecado às vezes toma conta de mim...
E é tão bom não ser divina,
me cobrir de humanidade me fascina
e me aproxima do céu.
E eu gosto de estar na terra.
Cada vez mais minha boca se abre e espera o direito,
ainda que profano, do mundo ser sempre mais humano...
Perfeição demais me agita os instintos...
Quem se diz muito perfeito
na certa encontrou um jeito insosso
pra não ser de carne e osso...

Zélia Duncan

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

VIVER PRIMEIRO, MORRER DEPOIS...

Sentir primeiro, pensar depois
Perdoar primeiro, julgar depois
Amar primeiro, educar depois
Esquecer primeiro, aprender depois
Libertar primeiro, ensinar depois
Alimentar primeiro, cantar depois
Possuir primeiro, contemplar depois
Agir primeiro, julgar depois
Navegar primeiro, aportar depois
Viver primeiro, morrer depois...

Mário Quintana